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2022/04/11

Lei de Whistleblowing: 10 perguntas e respostas

A Diretiva (UE) 2019/1937 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26/11/2019, que visa proteger os denunciantes/whistleblowers, (doravante, “Diretiva”) foi finalmente transposta para o ordenamento jurídico português, através da Lei n.º 93/2021, de 20 de dezembro, (doravante, “Lei de Whistleblowing”).

A Lei de Whistleblowing visa, portanto, transpor para o ordenamento jurídico nacional o quadro estabelecido pela Diretiva, conferindo proteção àqueles que denunciem ou divulguem publicamente infrações ao direito da União.

Esta Lei de Whistleblowing traz uma série de novas obrigações para as empresas, no que aos canais de denúncia diz respeito, pelo que se pretende com esta nota esclarecer as principais questões suscitadas.

Quando é que é obrigatório a implementação de um canal de denúncia?

Quando uma empresa tiver 50 ou mais trabalhadores ou, independentemente do número de trabalhadores, se tratem de pessoas coletivas abrangidas pelo âmbito de aplicação da legislação relativa a serviços, produtos e mercados financeiros e prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo, segurança dos transportes e proteção do ambiente.

Estes canais também poderão ser igualmente implementados nas empresas que, mesmo não preenchendo o elencado no parágrafo anterior, após avaliarem o risco, considerem benéfica a existência do canal.

Estes canais de denúncia são apenas obrigatórios para as entidades privadas?

Não, tal como as entidades privadas, também as entidades públicas, que preencham os requisitos indicados na questão anterior, são obrigadas a ter um canal de denúncia de acordo com o estabelecido na Diretiva e na Lei de Whistleblowing. Contudo, tal não se aplica às autarquias locais que, embora empregando 50 ou mais trabalhadores, tenham menos de 10.000 habitantes.

Qual é a função destes canais de denúncia?

A existência e implementação destes canais têm, acima de tudo, a função de proteger aqueles que denunciem ou divulguem publicamente infrações ao direito da União, assegurando, desde logo, todas as condições de sigilo, confidencialidade e segurança ao denunciante/whistleblower.

Quem pode ser denunciante e beneficiar da proteção conferida pela Lei de Whistleblowing?

Poderão beneficiar da proteção conferida ao denunciante/whistleblower, as pessoas singulares que denunciem ou divulguem publicamente uma infração com fundamento em informações obtidas no âmbito da sua atividade profissional, independentemente da sua natureza, podendo ser considerados denunciantes:

a) Os trabalhadores do setor privado, social ou do setor público;

b) Os prestadores de serviços, contratantes, subcontratantes e fornecedores, bem como quaisquer pessoas que atuem sob a sua supervisão e direção;

c) Os titulares de participações sociais e as pessoas pertencentes a órgãos de administração ou de gestão ou a órgãos fiscais ou de supervisão de pessoas coletivas, incluindo membros não executivos;

d) Voluntários e estagiários, remunerados ou não remunerados.

A qualidade de denunciante aplica-se também:

  • Quando são denunciadas informações sobre violações obtidas numa relação profissional, como as acima descritas, que, entretanto, tenha terminado (por exemplo, um ex-trabalhador);
  • Quando a relação profissional não se tenha iniciado, nos casos em que o denunciante tenha obtido a informação sobre a denúncia numa fase de negociação pré-negocial.

Para além da proteção ao denunciante, a Diretiva e a Lei de Whistleblowing consagram também a proteção daqueles que, de alguma forma, se relacionam com o mesmo, a saber: a pessoa que o auxilie, terceiro que esteja ligado ao denunciante, (designadamente colega de trabalho ou familiar, que possa ser alvo de retaliação) e pessoas coletivas ou entidades equiparadas que sejam detidas ou controladas pelo denunciante.

Que tipo de infrações podem ser denunciadas?

Consideram-se infrações, no âmbito da Lei de Whistleblowing:

a) O ato ou omissão contrário a regras da União Europeia, referentes aos domínios de:

  • Contratação pública;
  • Serviços, produtos e mercados financeiros e prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo;
  • Segurança e conformidade dos produtos;
  • Segurança dos transportes;
  • Proteção do ambiente;
  • Proteção contra radiações e segurança nuclear;
  • Segurança dos alimentos para consumo humano e animal, saúde animal e bem-estar animal;
  • Saúde pública;
  • Defesa do consumidor; Proteção da privacidade e dos dados pessoais e segurança da rede e
  • Dos sistemas de informação.

b) O ato ou omissão contrário e lesivo dos interesses financeiros da União Europeia

c) O ato ou omissão contrário às regras do mercado interno, incluindo as regras de concorrência e auxílios estatais, bem como as regras de fiscalidade societária;

d) A criminalidade violenta, especialmente violenta e altamente organizada, bem como os crimes previstos no n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, que estabelece medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira;

e) O ato ou omissão que contrarie o fim das regras ou normas abrangidas pelas alíneas a) a c).

Nos domínios da defesa e segurança nacionais, só é considerado infração, para efeitos da Lei de Whistleblowing, o ato ou omissão contrário às regras de contratação constantes dos atos da União Europeia referidos na parte I.A do anexo da Diretiva (UE) 2019/1937 do Parlamento Europeu e do Conselho, ou que contrarie os fins destas regras.

Que tipo de denúncias existem?

De acordo com o estabelecido na Diretiva bem como na Lei de Whistleblowing, as denúncias podem ser:

  • Internas (comunicações verbais ou escritas de informações sobre violações no seio de uma entidade do setor privado ou público);
  • Externas (comunicações verbais ou escritas de informações sobre violações às autoridades que a Lei de Whistleblowing designa como competentes); ou,
  • Divulgadas publicamente (a disponibilização de informações sobre violações, neste caso, apenas deve suceder quando haja motivos para crer que a infração constitui um perigo iminente ou manifesto para o interesse público, que não pode ser eficazmente conhecida ou resolvida pelas autoridades competentes, ou que há risco de retaliação inclusivamente em caso de denúncia externa.

As entidades obrigadas que não sejam de direito público e que empreguem entre 50 e 249 trabalhadores podem partilhar recursos no que respeita à receção de denúncias e ao respetivo seguimento.

Quais as características dos canais de denúncia interna?

Os canais de denúncia interna, devem possibilitar, pelo menos, a apresentação de denúncias:

  • Identificáveis ou anónimas;
  • Por escrito e ou verbais.

Estes canais devem permitir a apresentação e o seguimento seguros de denúncias, de forma a garantir a exaustividade, integridade e conservação das mesmas, confidencialidade da identidade ou o anonimato dos denunciantes e a confidencialidade da identidade de terceiros mencionados na denúncia.

Que procedimentos devem as empresas observar na gestão dos seus canais de denúncia internos?

No que concerne, em particular, aos canais de denúncia interna, a Lei de Whistleblowing prevê que estes canais:

  1. Devem permitir a apresentação e o seguimento seguros de denúncias, de forma a garantir a exaustividade, integridade e conservação das mesmas, confidencialidade da identidade ou o anonimato dos denunciantes e a confidencialidade da identidade de terceiros mencionados na denúncia;
  2. Que sejam operados internamente, para efeitos de receção e seguimento de denúncias, por pessoas ou serviços designados para o efeito; ou, que possam ser operados externamente, para efeitos de receção de denúncias;
  3. Deve ser garantida a independência, a imparcialidade, a confidencialidade, a proteção de dados, o sigilo e a ausência de conflitos de interesses no desempenho das funções de quem opera os canais de denúncia.

Quais as obrigações relativas ao seguimento de uma denúncia interna?

Devem ser tidas em conta as seguintes obrigações:

  • No prazo de sete (7) dias desde a receção da denúncia, as entidades obrigadas notificam o denunciante da receção da denúncia, e informam-no, de forma clara e acessível, dos requisitos, das autoridades competentes, da forma e admissibilidade da denúncia externa;
  • Devem ser praticados os atos necessários à verificação das alegações contidas na denúncia apresentada;
  • No prazo máximo de três (3) meses a contar da data de receção da denúncia, as entidades obrigadas comunicam ao denunciante as medidas previstas ou adotadas para dar seguimento à denúncia e respetiva fundamentação.

A violação das disposições contidas na Lei de Whistleblowing resultará na prática de contraordenações, a serem aplicadas pelo mecanismo nacional anticorrupção, puníveis com coimas que podem variar entre:

  • € 1.000 a € 25.000 ou de € 10.000 a € 250.000, consoante o agente seja uma pessoa singular ou coletiva, no caso de contraordenação muito grave;
  • € 500 a € 12.500 ou de € 1.000 a € 125.000, consoante o agente seja uma pessoa singular ou coletiva, no caso de contraordenação grave.

Além do supra exposto, importa ainda referir que a utilização destes canais implicará o tratamento de dados pessoais, podendo este incidir sobre dados de categorias sensíveis, pelo que, também se deverá ter em conta esta temática na implementação destes canais, por forma a que os procedimentos inerentes cumpram com as obrigações constantes da legislação em vigor, no âmbito da proteção de dados.

 

Texto escrito por PRA – Raposo, Sá Miranda & Associados, Sociedade de Advogados. 

Site Oficial.

 

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