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Guia prático para uma visão 360º do seu Orçamento Participativo

A democracia directa tem apresentado, ao longo dos últimos anos, uma tendência de crescimento a nível mundial.
Os cidadãos querem participar cada vez mais, mas sentem-se afastados dos métodos tradicionais de participação. Ter a palavra a cada 4 anos é muito curto, e apenas ter influência em termos genéricos, desapontante.
Não se fomenta a criação de um sentimento de comunidade. Não se eliminam as dúvidas dos cidadãos face à legitimidade do voto. Não se dinamiza a cidadania participativa.
O Orçamento Participativo é a solução para responder a estes desafios, uma vez que dá liberdade aos cidadãos para contribuir com ideias, discutir projectos e escolher, por votação, o destino de uma verba do orçamento da autarquia. Mais do que isso, promove a construção de confiança mútua entre munícipio e munícipe.
Apesar de não existirem combinações secretas que definem o orçamento participativo perfeito, fruto da diversidade de contextos das várias regiões, existem boas prácticas que ajudam a construir um projecto capaz de tornar a sociedade mais justa e transparente.
Estratégia
Um dos erros mais comuns no desenvolvimento de projectos de orçamento participativo é que os responsáveis lutam pelo “sucesso”. No entanto, quando questionados sobre o mesmo, não conseguem defini-lo com precisão nem identificar métricas de longo prazo que possam indicar o caminho até ele.
Antes de iniciar a implementação de um processo de orçamento participativo, os orgãos responsáveis devem passar por um processo de reflexão, no qual devem ser capazes de responder a cinco simples questões:
- Quais são os objectivos específicos deste projecto?
- Como vou medir o progresso e quando o vou fazer?
- Os meus objectivos são atingíveis?
- Os meus objectivos são relevantes?
- Quanto tempo irei demorar até atingir os meus objectivos?
Através destas perguntas, conseguimos classificar os objectivos como S.M.A.R.T (específicos, mensuráveis, atingíveis, relevantes e balizados temporalmente) e obter ferramentas e instrumentos de avaliação do projecto.
“Eu quero a participação de cidadãos” pode ser alterada para “Eu quero que X número de pessoas a participar nos workshops de desenvolvimento de ideias e Y número na votação”. Repare que está especificado o objectivo e o indicador chave, no entanto não está explícito quando mediria este objectivo.Contudo, se acrescentar “....até ao final do processo de OP deste ano” clarifica a situação.
As expectativas são um dos factores mais sensíveis aquando da definição da estratégia, uma vez que uma discrepância marcadamente negativa no resultado final, face ao estabelecido na apresentação do projecto pode resultar na desconfiança de cidadãos e políticos no projecto.
Isso significa que deve estabelecer objectivos baixos à partida? Não! Deve encontrar o equiílibro entre o alcançável e o relevante, ou correrá o risco dos cidadãos não sentirem vontade de participar no processo. Afinal, ser parte de um grupo pequeno não satisfaz a necessidade humana de pertença, significância e contribuição.
“Mas a minha região tem constrangimentos que não permitirão um alto índice de participação”. A participação é apenas um indicador escolhido para exemplificar este processo de definição de objectivos. Pode utilizar outros indicadores como número de ideias, impacto das ideias, participação de minorias ou percentagem de voto por canais específicos (presencial, web, mobile, SMS) ou por regiões.
No caso dos orçamentos participativos, a janela de tempo é fácil de definir, visto que o processo dura, em termos gerais, um ou dois anos. Caso o orçamento participativo seja um ponto chave na estratégia da sua autarquia, pode começar por estabelecer objectivos de médio ou
longo prazo como, por exemplo, “ter 50% da população registada e a participar nos próximos 5 anos”.
Implementação
Após conceber o projecto de Orçamento Participativo, e estabelecer os objetivos pelos quais irá ser avaliado o processo, segue-se a fase de implementação. Esta etapa é a mais visível para os munícipes, já que é quando apresentam as suas ideias, votam nos programas e são executadas as propostas vencedoras.
Durante esta fase, existem 5 patamares:
- Recolha de Propostas
- Análise Técnica
- Apresentação Pública das Propostas
- Votação
- Execução
Recolha
É no decorrer desta etapa que os munícipes têm a oportunidade de materializar a sua visão para a comunidade, submetendo propostas que irão ser alvo de análise por parte de uma equipa multidisciplinar. A organização deve dinamizar a iniciativa e incluir o maior número de cidadãos possíveis, de modo a motivar a comunidade a participar e concretizar as suas ideias.
Para isso, é necessário que a comunicação seja inclusiva, clara e transparente, isto é, não escreva novelas ou fale como se estivesse na Assembleia da República. Os seus cidadãos valorizam palavras fortes, puras e vibrantes enquadradas num discurso curto e inspirador. Se a sua comunidade tiver influências de regiões distintas, não limite a comunicação a apenas uma língua, pois criará barreiras que excluem cidadãos e sectores importantes da sua região.
Existem pessoas com zero ideias e algumas com milhares delas. No entanto, as pessoas com muitas tendem a perder o foco e não executar o plano. Para fomentar a disseminação de propostas e maximizar a mobilização durante a fase de voto, restringir o número de propostas por pessoa é o ideal. No entanto, o número de propostas pode ser adaptado consoante o tamanho do OP.
Apesar da maior parte dos processos de OP apenas receber ideias, ajudar os cidadãos a definir os seus projectos é um passo de gigante rumo a um aumento da qualidade do processo. Assim, a organização deve promover workshops para construção de ideias baseados em exercícios de discussão. Para além de fomentar a criação de propostas, permite que cidadãos que não tenham definido como resolver um problema ou implementar certa proposta retirem exemplos para os ajudar nessa caminhada.
Muitas vezes, as organizações de projectos de OP caem no erro de procurar o cidadão individual, em vez de envolver comunidades locais (desportivas, sociais, culturais). Deste modo, asseguram que grupos maiores de pessoas se envolvam e se transformem em embaixadores da iniciativa, o que fomenta uma dinamização e divulgação do processo mais natural, baseada no testemunho directo e no passa-a-palavra.
Análise Técnica
Esta etapa está intrinsecamente ligada à concepção e expectativas que a autarquia tem do projecto, variando caso a caso. No entanto, é possível estabelecer algumas indicações comuns a todos os projectos.
A luta pela transparência deve ser o principal motor desta fase, devendo existir um cuidado em estabelecer um método de avaliação explícito e facilmente acessível, que consiga decidir que propostas atingem os requisitos, independentemente de pressões políticas, sociais e técnicas. Afinal de contas, este tipo de projetos deve ser sempre das pessoas, pelas pessoas para as pessoas!
Assim sendo, durante esta fase, os organizadores do orçamento participativo devem procurar projectos que sejam capazes de definir as verbas claramente, que indiquem o impacto do seu projecto na comunidade ou que apresentem dados que demonstrem que se trata de um projecto estruturado como prazos ou custos de manuntenção.
Outro dos passos para o conseguir passa pelo envolvimento dos cidadãos no processo de avaliação através de explicações presenciais em assembleias, elaboração de actas de exclusão ou sugestões de fusão de propostas.
Apresentação
Organizar eventos de OP pode ser complicado, já que prever quantas pessoas podem comparecer e o quão activas serão, ou que situações imprevistas podem acontecer é muito complicado. Por isso, os organizadores devem preparar-se para o máximo de cenários possíveis, perceber quais as suas limitações, estar disponíveis para preencher qualquer lacuna e ser flexíveis a mudanças de última hora.
Nem tudo será perfeito, mas nada o é.
É provável que o primeiro evento seja difícil e que, através da aprendizagem contínua, os seguintes se tornem mais naturais e simples. É possível simplificar este processo de aquisição de conhecimento com quatro pontos chave:
- Planeamento, planeamento, planeamento
- Hospitalidade
- Conexão
- Documentação e Comunicação
Se o primeiro ponto parece dar foco à questão do planeamento, é propositado. Como foi referido, deve existir uma preparação extensiva para garantir planos de acção em vários cenários distintos. Desde ao local do evento, que deve contabilizar mais lugares do que o expectável, ao staff, que deve ter as funções extremamente bem delineadas e divididas e os planos de contingência a postos, ou à comunicação do evento, em que é crucial divulgar os procedimentos do evento e, sobretudo, não subestimar o tempo necessário para que a mensagem passe até aos cidadãos.
Apesar de estar ligado ao planeamento, o segundo ponto, a hospitalidade, deve ser pensado indivualmente. Providencie um local confortável e acolhedor que faça os participantes sentirem-se à vontade para interagir, participar e voltar numa edição seguinte. E isto não passa apenas pelo local, mas também pelo processo de receber os munícipes, que deve ser feito de uma forma aberta e simpática. Disponibilize algum tipo de alimentos (como café, chá ou bolachas) para fomentar o convívio e maximizar a participação no evento, afinal, onde há comida, há pessoas.
Os Orçamentos Participativos focam-se na consulta da população, em ouvir, não em falar. São uma plataforma de conexão com os munícipes e, por isso, a palavra não pode estar exclusivamente do lado da organização. Dê abertura aos munícipes para participarem, criando regras que tornem claro que toda a gente tem uma boca e dois ouvidos e fomentem o respeito mútuo. Obrigados a uma relação adulta, onde impera a participação activa, os cidadãos participarão mais, e melhor.
É fundamental manter os cidadãos a par das actividades decorrentes do OP, pois potencia a confiança na organização e aumenta a transparência do processo. Assim sendo, deve ser feito o trabalho de documentação e comunicação dos resultados ou temas debatidos nos eventos, através de fotografias e vídeos que possam ser utilizados nas redes sociais e media. As pessoas têm de sentir-se parte da comunidade para tornar o OP num projecto sustentável, e a notoriedade dos eventos é um passo nesse sentido.
Votação
Esta etapa centra-se, principalmente, em assegurar que apenas pessoas autorizadas possam votar, utilizando, somente, o número de votos atribuídos pela organização. Dependendo das regiões, ou vontade dos responsáveis, as condicionantes podem ser alteradas para formar soluções que se adequem à realidade de cada OP. No entanto, existem linhas comuns que podem ser aplicadas a todos os projectos:
- Quem pode votar?
- Como pode votar?
- Como deve autenticar-se para votar?
- Como confirmar a identidade do votante?
É importante ser o mais claro possível na segmentação de votantes, ao salvaguardar esta situação, irá evitar confusões, esclarecimentos e perguntas que ocupam tempo que deveria ser dispendido noutras etapas do projecto. Esta pode ser feita a nível demográfico (idade), geográfico (local de residência ou trabalho) ou baseada noutros factores, como a naturalidade ou ligações estudantis à região.
Ofereça vários canais para votação, de modo a aumentar os índices de participação, mas mantenha a informação centralizada. Caso contrário, todo o processo poderá ser alvo de votos fraudulentos que condicionem o bom funcionamento da democracia.
Em alguns casos, é possível que apareçam outro tipo de obstáculos para além dos referidos anteriormente, como a tentativa de voto com um documento não autorizado. A autenticação do voto, deve ser uma das preocupações da organização. O tipo de identificação varia conforme as convenções e tradição de cada país ou região, por isso, a organização deve divulgar, em cada comunicação direcionada ao público, os documentos necessários para participar no projecto.
Existem várias maneiras de contornar os procedimentos de votação online e votação presencial, como criar dados pessoais e um e-mail falso ou votar em diferentes balcões físicos. Por isso, é indispensável a centralização da informação, por um lado, e a dupla validação de votos, por outro. Apesar de não evitar a 100%, este sistema desencoraja e reduz este tipo de iniciativas drasticamente.
Execução
A gratidão é a única coisa que pode tornar um aspecto negativo num positivo. Após organizar, planear, supervisionar e executar um projecto de OP não existe obrigação de agradecer aos participantes. No entanto, o reconhecimento da organização leva à felicidade dos participantes, criando uma uma aura positiva sobre o evento e fazendo com que os munícipes se sintam imbuídos para contribuir mais e contagiar o seu círculo social para participar na próxima edição.
Assim, devem procurar manter os munícipes “on the loop” durante todo o processo pós-votação, mal acabem de votar. Aqui é indispensável pedir feedback sobre o projeto, procurando receber ideias que possam ser aplicadas no futuro e descobrir pontos menos positivos que possam ser ajustados.
Este ponto mantém os cidadãos imersos no processo e reconhece a sua contribuição, apelando ao sentimento de pertença. Deve ser feito da maneira mais integrada e natural possível, focando em dois aspectos chave: simplicidade e tranquilidade.
Imediatamente após apurar os resultados, deve comunicar os vencedores a todos os votantes, idealmente via e-mail ou SMS, agradecendo o tempo dispendido. Esta deve ser a única interacção? Na nossa opinião não! Envie um e-mail com os resultados e, passado uma semana ou duas, envie outro com um sumário do processo e algumas curiosidades do projeto.
Deve manter os cidadãos a par da fase de execução, enquanto implementa as propostas vencedoras. Garanta que sabem o que está a fazer, os problemas com que se depara e a sorte que tem por ter a possibilidade de passar do papel para a prática todos os projetos vencedores.
O espiríto positivo em torno do OP continuará presente, uma vez que a organização demonstra gratidão por realizar sonhos e necessidades da comunidade, ao invés de adoptar uma postura negativa, como se de um fardo se tratasse.
Finalmente, nunca se esqueça de endereçar o convite para a edição do ano seguinte!
Possíveis Problemas
Após abordarmos as boas práticas nas diferentes etapas do processo de criação, planeamento e execução do OP, estará preparado para uma iniciativa de sucesso. No entanto, existem sempre aspetos a melhorar, os quais devem ser encarados de frente em vez de ignorados, ou esquecidos. Uma organização que os reconheça e se prepare, certamente irá construir um projecto mais sustentável e sólido.
Crítiticas, desconfiança e obstáculos fazem parte do quotidiano de quem luta por uma sociedade mais justa e transparente. Aliás, tudo o que tenha como objetivo a mudança de mentalidade e a alteração do status quo tem dores de crescimento. Por vezes é difícil aceitar a mudança.
Assim sendo, reunimos alguns dos possíveis críticas que pode encontrar enquanto implementa o seu processo de OP:
- "A percentagem do orçamento alocada é demasiado baixa”
- “Não sabem o que fazer com o dinheiro”
- “Os custos fixos de OP são muito altos”
- “Não é um processo equitativo nem justo”
- “As pessoas irão mudar o voto conforme a pressão dos interesses”
- “Não se consegue controlar quem vota”
- “As pessoas estão a fazer o trabalho de quem foi eleito”
- “OP é uma maneira de apelar ao voto nas próximas eleições”
- “As propostas são de baixo impacto e não cobre necessidades reais”
- “Estes processos dão um falso sentido de esperança”
- “Não vão executar as propostas vencedoras porque não há dinheiro”
Como podem verificar, a maior parte dos argumentos são contraditórios e reflectem a mentalidade de “Velho do Restelo”. Acreditamos que a melhor maneira de desmistificar este tipo de discursos é através da antecipação e incentivo ao diálogo. Se não queremos contribuir para a materialização da nossa visão sobre a comunidade, como iremos ter uma sociedade de cidadãos para cidadãos?
As coisas não têm de mudar o mundo imediatamente, e a uma escala global, para serem importantes. Por vezes, é tão importante o primeiro passo rumo a um amanhã melhor como o produto final dessa caminhada.

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