Blog WireMaze

Revista 1 847 450
2020/07/23

13 desculpas para acabar com o Orçamento Participativo – Parte 2 de 2

Parte 2 de 2

Continuemos com mais algumas desculpas que fazem com que os Orçamentos Participativos não sejam implementados.

No artigo anterior, apresentamos as cinco desculpas utilizadas no âmbito temporal; monetário e eleitoral. Continuemos a partilhar consigo como pode colmatar essas mesmas desculpas e proporcionar aos cidadãos a participação pública.

8. Não tenho equipa

O pretexto de não ter equipa é verdade para o orçamento participativo e para quase qualquer projeto que as autarquias queiram executar. Os recursos humanos são escassos. Tal é um facto inegável.

Autarquias como Águeda ou Ponta Delgada recrutaram “bolsas de voluntários” de entre os funcionários municipais. Um processo que é complexo e requer sacrifícios, nomeadamente na manutenção da dinâmica, mas que pode resultar num grau de envolvência muito maior.

Já Valongo optou por realizar um OP interno (o “Eu Conto”) no sentido de cativar os técnicos municipais para o processo de OP jovem.

Nas dezenas de autarquias com quem trabalhamos em processos de OP não conheço nenhuma que diga que tem a equipa total que necessita. Mesmo os casos de Águeda e Ponta Delgada no funcionamento do dia-a-dia tem alturas em que seriam precisas mais pessoas para determinadas funções.

Deve por isso ser criativo.

Convide, envolva e colabore dentro ou fora da organização.

Já considerou recrutar voluntários internamente? O OP tem como vantagem o retorno emocional e de realização pessoal que transmite aos envolvidos. Crie uma identidade visual que os destaque e transmita o sentimento de pertença ao grupo de pessoas especiais que fazem andar o OP. Complexo? Não! Resolvido com uma t-shirt, camisa, camisola, pin ou autocolante.

Várias autarquias têm recorrido a “campeões” de OP, que dinamizam as comunidades. São eles os vossos embaixadores e potenciam o marketing boca-a-boca. Muitas vezes esta colaboração resume-se à presença em posters ou vídeos promocionais.

Algumas autarquias fizeram adaptações para adequar o processo às equipas, trocando sessões de discussão e apresentação de propostas por apresentação online por exemplo.

Uma dica: se tiver resultados tem maior probabilidade de aumentar a equipa, quer através do “recrutamento” atrás referido quer por crescimento autorizado pelo executivo. Todos querem juntar-se a um grupo e processo com sucesso. Ninguém coloca problemas a dar recursos a processos que dão resultados representativos (e a palavra aqui é representativos).

9. Os meus munícipes não participam

Já tivemos alguns clientes que após terem feito um ciclo de processo de orçamento participativo param por não terem tido participação.

Na maioria dos casos temos resultados negativos se avaliarmos a quantidade de trabalho no terreno ou a existência de uma campanha de comunicação coerente. Não basta colocar um site online e esperar que os cidadãos participem. A internet não é solução para tudo, sobretudo se não for estimulada.

Por vezes mesmo fazendo “tudo direito” a participação é baixa, logo diminuindo a representatividade do processo. Nesses casos tem a certeza de que participação significa para si o mesmo que para o seu munícipe?

O seu cidadão sabe que pode participar? Tem pedido em outras ocasiões ou o OP é o pioneiro? Os pioneiros estão a “partir pedra“, pelo que não pode esperar níveis de participação elevados mesmo eu faça tudo correto e invista na comunicação.

A nossa sugestão é que a política de participação da sua autarquia não se resuma ao OP.

Promova sondagens e questionários aos seus munícipes sobre assuntos de interesse. Não precisam, nem devem, ser densos ou complexos. Mas devem chegar via os vários meios ao dispor, website, app, email ou SMS.

Envolva os mais jovens e/ou os mais idosos nas assembleias do município. Ou promova projetos como o “presidente por um dia” de Ponte de Lima.

Crie canais vídeo de relação direta com o munícipe, seja para atendimento municipal ou para responder a questões no Facebook. A autarquia mais do que uma instituição são pessoas. Pessoas que trabalham por pessoas e que respondem a pessoas.

O OP é uma excelente ferramenta de participação pela força que transmite ao ser deliberativo. Leia-se: é o único instrumento pelo qual o cidadão pode decidir de forma direta o destino de dinheiro municipal. Mas funciona muito melhor englobado num sistema de participação envolvente e ponderado.

10. Os projetos não têm tido qualidade

Esta justificação é referida por muitos políticos e técnicos, mas também por cidadãos que, verdade seja dita, na maioria das vezes não viram os seus projetos ser aprovados.

É preciso desde logo estabelecer expetativas já que “qualidade” é algo subjetivo.

Para o político, qualidade pode querer dizer projetos alinhados com as macropolíticas da autarquia ou ainda que tivessem potencial de ter grande impacto na comunidade.

Para o técnico, qualidade pode querer dizer que foram apresentados bem instruídos e que estavam idealizados de acordo com as normas internas da autarquia.

Para o cidadão, qualidade pode querer dizer que resolve um problema que possui ou que observa existir no contexto que o rodeia. Atenção, que muitas vezes pode apenas ser uma linha.

E a verdade é que a maioria das ideias de projetos apresentadas são muitas vezes uma linha. Neste caso eu chamo-lhes “bitaites”. E deve ser responsabilidade da equipa do OP apoiar os cidadãos a transformar estes embriões de projetos em projetos capazes. Esse é um dos aspetos diferenciadores dos processos mais duradouros e com mais sucesso.

É o início da bola de neve.

Os cidadãos serem envolvidos na construção de algo mais sustentável confere maior credibilidade à equipa e ao processo. Aumenta a empatia com o cidadão e conquista defensores do processo. Garante envolvimento e dota o cidadão de competências para demonstrar as mais valias do projeto, e consequentemente aumenta probabilidades de obtenção de votação.

Se na análise técnica rejeitar todos os projetos apresentados por estarem incompletos, na maioria dos casos esvazia as hipóteses e nem votação chega a existir.

Se deixar passar em análise técnica projetos que sejam inexequíveis ou não cumpridores do regulamento, vai criar um problema na execução ou precedentes negativos. São inúmeros os casos de OP que “congelam” porque têm inúmeros projetos para implementar devido a más análises técnicas. Porto Alegre é um dos casos, e em Portugal também existem. São inúmeros também os casos em que as autarquias têm de investir mais dinheiro do seu orçamento normal para compensar avaliações mal realizadas pela análise técnica.

Então a solução é rejeitar tudo? Claro que não. Mas insisto no trabalho da equipa de OP prévio à análise técnica. Valongo é um exemplo reconhecido internacionalmente por esse trabalho de pedagogia no terreno.

11. Os projetos têm sobrecarregado as equipas internas

A sobre alocação dos recursos sempre foi um problema em todas as autarquias.

Contudo, muitas vezes é uma questão de predisposição. É compreensível. Afinal são projetos que são encarregues de executar, que foram pensados e estruturados por cidadãos (sacrilégio!). Por vezes até contrários a algumas ideias dos próprios técnicos que já existiam para aqueles locais ou problemas.

E não pense que a coisa fica só pelos técnicos. Já assistimos a casos em que os cidadãos escolhem implementar num local, projetos que são contrários às ideias do executivo. Sim, os mesmos que estão a “libertar” o dinheiro para executar a obra.

É necessário envolver todos no processo e compreender que a beleza do processo de OP é ser deliberativo, mesmo este podendo ser um “pesadelo”. Temos de estar preparados para lidar com estes aspetos “negativos” e assumir o principal: capacitamos e envolvemos o cidadão, construindo uma maior e melhor cidadania. Esperamos que inclusive ajude a uma melhor democracia.

É importante por isso trabalhar o espírito e envolvência dos técnicos e restantes equipas internas no processo. A atitude torna-se deveras positiva se se sentirem parte da solução, e não apenas uma roda dentada de uma engrenagem que pode ser substituída a qualquer momento. Aquele parque infantil do OP torna-se especial, parte do orgulho pessoal dos técnicos e políticos envolvidos.

Mas não há mais alternativas?

Claro que há! Uma das que recomendamos frequentemente é reduzir o valor máximo de cada projeto. A burocracia necessária e margem de erro de um projeto pequeno (por ex. até a 20.000€) é substancialmente inferior a um ajuste direto de 75.000€. Se estivermos a comparar com um concurso público é melhor nem qualificar. Tem dúvidas? Basta perguntar aos seus técnicos se preferem 5 projetos de 20 ou 1 concurso público. 99% vai optar pela primeira.

Aveiro iniciou este ano um processo em que pretende envolver o cidadão na implementação no terreno. É outra forma criativa de encarar o problema, e neste caso, aumentar a envolvência e promover a criação de competências nos cidadãos.

Que formas idealiza para o seu caso concreto?

12. O processo é muito pesado

A beleza dos orçamentos participativos é que pese embora tenham todos as mesmas fases, a implementação das mesmas é muito díspar.

Ponta Delgada, por exemplo faz assembleias presenciais para recolha de propostas, Águeda tinha um modelo híbrido presencial e online, Guimarães, Odemira e Amadora apenas apostaram no online.

Mas mesmo nos presenciais, Ponta Delgada e Águeda organizam mesas de participação (requer técnicos em cada mesa para moderar), Ovar tem apresentação de propostas por freguesia, Sever do Vouga tem um número mínimo de participantes por sessão presencial.

Em termos de promoção algumas autarquias desmultiplicam-se em vídeos promocionais, posters, ações no terreno, meios tradicionais, etc. Outras limitam-se à sessão de apresentação na autarquia e a colocar o link no site oficial e na newsletter.

Outras ainda fazem processos de votação com recurso a votos em papel (que é horrível quando recebem milhares de votos) ou baseiam-se em processos manuais de validação dos participantes.

O nosso conselho é sempre o mesmo: um OP é como descascar uma cebola. Sabemos que vamos chorar. Mas temos a hipótese de usar os instrumentos corretos (uma faca lavada) para minimizar o impacto. Se não o fizermos vamos desanimar.

Adequem o vosso processo de participação ao contexto local, reduzindo ou aumentando o número de sessões presenciais, alterando o formato e normas de funcionamento das mesmas. Torne as sessões presenciais um momento inesquecível para o cidadão.

Dica que aprendi com o OP de Nova Iorque e Boston: um OP tem bolo!

Em termos de promoção faça o necessário, mas preferindo todo o tipo de material que promova o boca-a-boca. Use os seus proponentes como canais de marketing poderosos. Afinal, eles são os principais interessados.

Em termos de votação use ferramentas que lhe permitam ter uma validação o mais automática possível dos utilizadores. Lembre-se que em Portugal vai acontecer tudo à última da hora. Use ferramentas digitais que controlem o processo de votação independentemente do canal usado para votar, mas que assegurem que não existe fraude (ou que na realidade ela é diminuída a um valor insignificante).

13. O processo não é justo para todos

Em vários casos existem queixas dos cidadãos que entendem que uma determinada área geográfica, grupo ou tipo de projeto não tem tantas hipóteses de ganhar.

Recentemente, participamos numa assembleia online de Odemira e este foi um assunto abordado por um dos cidadãos participantes.

As autarquias têm tentado adequar-se e procurar um modelo ideal, mas a verdade é que nunca existirá um modelo que seja justo para todos. Não invalida que não se possa ir adaptando as normas todos os anos na tentativa de conseguir a perfeição para o seu caso específico.

Daí a importância de usar normas e não regulamentos. Daí a importância de usar plataformas digitais que permitam a flexibilidade de experimentar alterações às regras sem necessidade de voltar a construir tudo de novo. Daí a importância de dotar todos os proponentes das mesmas condições de divulgação e promoção das propostas.

Faz umas semanas falava com um cliente que dizia gostar do voto ponderado. Ou seja, por exemplo, 5 pontos para a 1ª escolha, 3 para a 2ª escolha e 1 para a 3ª escolha. Eu partilhei que num estudo que fizemos para alguns OP’s com quem trabalhamos na Espanha e Escócia, os resultados finais eram os mesmos que se considerássemos as escolhas todas com o mesmo peso. Mas claro, isso foi nesse caso. Será que o mesmo acontecerá neste caso em particular?

Orçamento Participativo é uma metodologia não uma ciência.

Verdade é que os cidadãos aprendem e adaptam-se às regras, conseguindo muitas vezes deturpar as boas intensões que tínhamos.

Colocamos em prática os 2 votos por cidadão, para ter o voto do coração e o da razão. Os proponentes respondem conseguindo apresentar 2 propostas que depois promovem em conjunto, ou desenvolvem parcerias com uma proposta da freguesia ao lado quando essa é a limitação.

Mais uma vez a importância de ter orçamentos participativos baseados em normas para podermos ir afinando o processo anualmente com relativa flexibilidade.

Disponibilize inúmeros canais de participação (presencial, web, SMS, app) para garantir que o cidadão não fica prejudicado devido à sua condição socioeconómica, de literacia ou vivencial.

Chegamos ao fim das 13 desculpas! Confuso ou elucidado?

Se está confuso contacte-nos! Se elucidado também 😊