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2020/07/21

13 desculpas para acabar com o Orçamento Participativo – Parte 1 de 2

Parte 1 de 2

Ao longo dos últimos 10 anos de trabalho na área da participação pública temos escutado inúmeras desculpas para acabar com os processos de orçamento participativo, ou nem sequer os começar. Têm lógica? A maioria tem. São avaliações corretas? Na maioria sim, se quisermos manter status quo.

Porquê 13? Porque é um n.º da sorte… ou azar (caso sejam templários). Existem muitas mais desculpas. Se o leitor tiver uma desculpa que ouviu muitas vezes e precisa saber como contrariar, não hesite em nos contactar.

Se só quer a lista, aqui fica:
  1. Com o covid não podemos ir para o terreno
  2. Estamos em crise
  3. Preciso do dinheiro para coisas mais importantes
  4. Este ano é de eleições
  5. O próximo ano é de eleições
  6. Este é o primeiro ano do mandato
  7. Ainda tenho mais 2 anos de mandato
  8. Não tenho equipa
  9. Os meus munícipes não participam
  10. Os projetos não têm tido qualidade
  11. Os projetos têm sobrecarregado as equipas internas
  12. O processo é muito pesado
  13. O processo não é justo para todos

 

No entanto, mais importante do que a lista é saber como reagir quando se depara com cada situação.

Serão dois artigos exclusivos para esta temática. Fique atento!

1. Com o COVID não podemos ir para o terreno

Esta é uma desculpa recente para todos e, por isso, a temos ouvido muitas vezes nos últimos meses.

É verdade que com o COVID devem-se evitar ajuntamentos, logo condiciona a realização de ações presenciais. Em alguns casos específicos pode impossibilitar.


É verdade ainda que as pessoas têm receios com a proximidade de “estranhos”, deslocação a locais onde podem estar outras pessoas, andam preocupados com a saúde e emprego.

Mas as autarquias têm um papel social importante neste contexto.

A proximidade pode existir desde que garantidas as questões de segurança pessoal. Pode (e deve) ser usada para que o cidadão sinta que a autarquia está próxima e sente as suas preocupações. Pode (e deve) ser usada para constatar no terreno as reais condições da comunidade, já que nem sempre o que nos chega pelos canais tradicionais é a realidade.

Temos então de ser criativos.

Os espaços são reduzidos? Pode-se estudar novos espaços, eventualmente ao ar livre.

Existem pessoas que se recusam a estar presencialmente? Pode-se organizar assembleias online (como Odemira realizou) ou introduzir a possibilidade de submissão de propostas online. Deduzimos que a votação já pode ser realizada online (são raros os casos nacionais onde tal não acontece).


2. Estamos em crise

É certo que dizem que Portugal está em crise nas últimas décadas, mas esta desculpa foi mais comum após 2011 com o período da troika.

Vai haver um revivalismo com a crise económica que se iniciou agora (e que segundo os peritos vai afetar todo o mundo nos próximos 2 ou 3 anos).

Ora, o orçamento participativo surgiu em Porto Alegre (Brasil) exatamente nesse contexto de crise. Em que é fundamental envolver a comunidade nas soluções.

Se estamos em crise? Claro. É importante não negar, mas mais importante é abraçar as oportunidades.

O munícipe que tinha tudo o que necessitava até hoje e por tal não sentia necessidade de participar, vai eventualmente estar mais vulnerável. Acompanhe, incorpore nos processos de decisão, faça sentir que todos são importantes e são ouvidos.

Mas e como?

Pratique escuta ativa. Altere os processos no terreno para garantir que existem momentos específicos que favoreçam estas experiências.

Não fique no escritório. O cidadão vulnerável não vem ter consigo, pois está preocupado em tentar arranjar alternativas. Vá ao terreno para ouvir, falar e envolver. Visite todas as freguesias, escolas, povoados.

Necessita de mais ideias? Aqui fica uma lista que compilamos para si.

  • Adapte o regulamento/normas de funcionamento.
  • Altere as datas para permitir que tem tempo para fazer mais trabalho de terreno.
  • Adapte as áreas possíveis para enquadrar melhor estas novas necessidades.
  • Adapte o processo de submissão de propostas para permitir os extremos de participarem (o presencial e o online).
  • Facilite ou adapte os processos de votação para garantir maior participação e focada nos problemas atuais.

3. Preciso do dinheiro para coisas mais importantes

Vou confessar agora algo que será uma surpresa completa para o leitor: O orçamento das autarquias é finito (e diminuto na maioria dos casos).

Tenho a certeza que foi uma total surpresa… se anda totalmente distraído!

As autarquias têm aumentado as suas competências, mas mantido o orçamento. Ou seja, têm de fazer mais com menos. Com o COVID, e a crise em que estamos a entrar, muitas autarquias tiveram de alocar dinheiro não previsto para proteção das populações e para apoios sociais.

É verdade, portanto, que o dinheiro alocado ao OP é necessário para outras áreas. Mas é materialmente relevante quando comparado com todo o orçamento de investimento da autarquia? Se no seu caso o OP representar mais de 25% do orçamento está no top das alocações a nível internacional. Pode e deve reequacionar se tal está enquadrado com as recentes necessidades e políticas.

Mas a maioria dos OP a nível nacional alocou uma percentagem muito inferior. Ou seja, deve equacionar se esse investimento para garantir envolvimento do cidadão é razoável. Tenho a convicção que o será na maioria das situações.

Como em qualquer decisão de gestão deve definir objetivos, fazer uma análise SWOT do seu caso específico, estudar alternativas táticas, ouvir as partes envolvidas e avaliar execução.


4. Este ano é de eleições

A implementação de um OP não deve ser encarada como uma ação meramente política, mas não podemos negar que possui essa componente.

E os eleitos têm um papel fundamental nos processos de OP, já que são eles que partilham o “poder” com o cidadão. Um OP não existe sem o apoio político, portanto temos de os proteger.

Lembro-me que em 2017 tive alguns presidentes, inclusive, a questionar-me se deviam fazer o processo porque não iam concorrer.

Ou seja, existem receios fundados de fazer um OP em ano de eleições. Pode ser encarado como eleitoralista, a execução no terreno dá origem a mais inaugurações, o sucessor pode não vir a ser a favor do modelo em vigor, etc.

Mais uma vez é necessário analisar caso a caso e traçar um plano de ação com vista ao objetivo máximo: fazer crescer a cidadania empoderando o cidadão.

Devemos por isso ter um acordo alargado em relação ao OP com todas as forças políticas representadas na assembleia e executivo municipal. Todos devem estar de acordo com o nosso objetivo máximo. Ainda se lembram qual, certo? Acham que alguma força política vai dizer que discorda publicamente?

Podem existir divergência de como executar. Mas isso vai existir inclusive dentro da mesma equipa de trabalho. Deve-se garantir que existe agilidade em termos de normas de funcionamento e que não temos mãos e pés atados num regulamento rígido e obtuso. Guimarães, Sever do Vouga e Valongo são apenas alguns dos muitos municípios que funcionam com base em normas, que adaptam anualmente. Logo, em caso de eleições é um documento simples de mudar pelo executivo seguinte. Ou então, pela própria equipa na busca da melhoria contínua.

Manter o OP a funcionar num ano de eleições é uma mensagem clara de que o processo não está politizado, mas que pertence aos cidadãos. Deixar de o fazer permite ataques diretos com calúnias de o processo ser realizado apenas para motivos eleitoralistas.

Garanta, contudo, que obedece às regras da comissão nacional de eleições no que diz respeito a inaugurações.

Uma boa prática é convidar a oposição para todas as inaugurações. Afinal eles próprios concordaram que o processo fosse feito. Não esquecer que a inauguração deve ser uma celebração e um acto de agradecimento para com o cidadão que apresentou a proposta e com todos os que a apoiaram. Garanta que fica uma placa no local, ou num local apropriado em caso de projetos imateriais, que imortalize a participação do cidadão e divulgue o registo fotográfico do evento.

Vai arrancar em ano de eleições? É possível, mas nesse caso a defesa do processo já não é tão simples.


5. O próximo ano é de eleições

No seguimento do ponto anterior esta desculpa também aparece, mas mais associada ao arranque de processos.

Se existe um compromisso político de iniciar OP, porque não iniciar? É um compromisso com o cidadão.

Tipicamente recomendamos que nunca façam arranques no ano de eleições, mas no ano anterior não tem problemas desde que se acautele o calendário para não colidir com o período de eleições.

O principal problema logístico é a aprovação de regulamentos. Daí que recomendamos que sigam o exemplo de outras autarquias que aprovaram cartas de princípio na assembleia municipal e depois operacionalizam com normas de funcionamento.

Não deixe para o final do ano para pensar em arrancar o processo, já que vai estar a arriscar iniciar apenas no ano de eleições.

Foram inúmeros os casos em que arrancamos nestas condições. Sempre com sucesso. É necessário um planeamento cuidado, mas perfeitamente exequível.


6. Este é o primeiro ano do mandato

Ainda está a “apalpar” terreno. Ótimo. É sinal de que os munícipes vão compreender eventuais falhas.

Não havendo ano ideal para iniciar um orçamento participativo, arrancar no decurso do primeiro ano transmite uma ideia de dinamismo diferente. Demonstra que veio para trabalhar para e com os cidadãos. E quem não quer isso? Ganhar momentum para um mandato de “sonho”.

Iniciando no primeiro ano, dá tempo para pensar o processo de forma mais ponderada.

Que tal envolver os munícipes na elaboração do processo? Ou formar os técnicos autárquicos nas bases teórico-práticas destes processos promovendo uma maior assimilação? Ou até mesmo iniciar um processo piloto com os jovens para depois evoluir para o geral, como fez Vila Nova de Gaia?

A nossa recomendação continua, porém, a ser não colocar em regulamento todas as questões de funcionamento do orçamento participativo. Deve apostar na existência de um regulamento que define as bases e todos os pormenores operacionais devem ser descritos em detalhe nas normas de funcionamento (ex.: calendário do processo, que campanha de comunicação e meios vão ser usados, quem pode apresentar propostas, como pode apresentar propostas, quem pode votar, como votar, que áreas, que valor, que regras de votação).

Mas atenção que esta oportunidade só ocorre de 4 em 4 anos. Aproveite-a.


7. Ainda tenho mais 2 anos de mandato

O segundo ano de mandato é por vezes caracterizado como o início da reta no meio de uma longa maratona. Já tivemos o sprint inicial em que tivemos de correr para nos destacar e sabemos que vem pela frente um sprint final que será onde se decidem os lugares de pódio. Facto pelo qual muitos políticos abrandam, principalmente no 2º ano de mandato.

É um excelente ano para arrancar. Sem pressão das eleições à porta. O sistema já se habituou à liderança. Já sabemos com o que contar da oposição.

Do ponto de vista dos técnicos é um ano em que mais facilmente conseguem falar com os políticos para projetos de futuro.

Do ponto de vista do cidadão é o iniciar de um processo desligado de conotações políticas (afinal, até estava no programa eleitoral, mas está a ser feito sem ser em ano de eleições).

Lembre-se das dicas elencadas nos pontos anteriores.


Hoje ficamos por aqui. Muita foi a informação que partilhamos consigo, mas fique atento que ainda falta detalhar 6 desculpas.

Partilhe connosco a sua opinião sobre estas formas de combater as desculpas apresentadas!